Saiba que é possível utilizar o FGTS para custear o tratamento por fertilização in vitro


A dificuldade para engravidar afeta milhares de famílias brasileiras e, para muitos casais, tratamentos comuns de fertilidade não trazem resultado, tornando a fertilização in vitro (FIV) a principal esperança. Porém, apesar do avanço da medicina reprodutiva, o alto custo desse tratamento é um obstáculo significativo. Pouca gente sabe que, amparados por decisões recentes dos Tribunais Federais, é possível utilizar o saldo do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) para custear a FIV. Veja como isso é possível, quais os argumentos jurídicos e o passo a passo para solicitar esse direito.

O que é a Fertilização in Vitro (FIV)?
A FIV é um procedimento de reprodução assistida indicado para casais que possuem dificuldade para engravidar naturalmente. O processo envolve a coleta dos óvulos e espermatozoides, a fertilização em laboratório e, em seguida, a transferência do embrião para o útero da mulher. O tratamento é recomendado principalmente em casos de:

Endometriose grave;
Idade avançada da mulher;
Baixa reserva ovariana;
Obstrução das trompas;
Infertilidade masculina severa;
Tentativas anteriores de outros tratamentos de baixa complexidade sem sucesso.
O custo pode variar bastante, chegando facilmente a valores superiores a R$ 20 mil por ciclo, incluindo procedimentos laboratoriais e medicamentos.

Base Legal para o Saque do FGTS em Tratamentos de Saúde
A Lei nº 8.036/1990, que regula o FGTS, elenca situações que autorizam o saque da conta fundiária, como aquisição de imóvel, aposentadoria e doenças graves (neoplasia maligna, HIV e estágio terminal). O artigo 20, incisos XI, XIII e XIV da Lei, trata do levantamento para doenças graves, porém não menciona, expressamente, o tratamento de infertilidade.

No entanto, a Justiça Federal ampliou o entendimento sobre o rol de doenças e permitiu o saque em situações excepcionais, priorizando princípios constitucionais:

Dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF);
Proteção à família (art. 226 da CF);
Direito ao planejamento familiar (art. 226, § 7º da CF);
Direito à saúde, entendido como direito social fundamental (art. 6º e 196 da CF).
Ou seja, mesmo que a infertilidade não esteja expressamente prevista na lei do FGTS, ela pode ser equiparada a doença grave, permitindo interpretação extensiva da norma.

O que dizem os Tribunais? Decisões Recentes
A jurisprudência tem sido cada vez mais sensível às demandas ligadas ao direito de constituir família e à saúde reprodutiva. Vejamos, de forma resumida, os fundamentos empregados em decisões:

Justiça Federal de Blumenau/SC — Caso Concreto
Uma paciente diagnosticada com infertilidade e endometriose, após tentativas frustradas com outros tratamentos, entrou na Justiça para usar o saldo de FGTS do cônjuge para custeio da FIV. Na sentença, o juiz reconheceu:

Necessidade médica comprovada por laudos e exames laboratoriais;
Infertilidade reconhecida como doença grave pela Organização Mundial da Saúde (OMS);
Urgência na realização do tratamento para evitar perda da janela fértil;
Princípio da dignidade da pessoa humana e proteção ao planejamento familiar como fundamentação para o levantamento do saldo.
“Comprovada a condição de infertilidade da impetrante, faz ela jus à liberação dos valores existentes em conta vinculada ao FGTS, possibilitando-se a realização do tratamento de reprodução assistida, tendo em vista os princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção à família e ao planejamento familiar.”
(TRF4 5085039-62.2023.4.04.7100, Rel. Vivian Josete Pantaleão Caminha, 2024)

TRF4 – Ampliação do Rol de Saques
Em outro julgamento, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região reconheceu que, sendo o rol do art. 20 da Lei do FGTS exemplificativo, situações excepcionais como a infertilidade também justificam a movimentação do saldo, em sintonia com a finalidade social do fundo e a previsão constitucional de proteção à família.

Por que a Justiça libera o FGTS para FIV?
Os principais argumentos são:

A infertilidade é considerada doença pela OMS e acarreta, além de consequências físicas, sofrimento emocional ao casal e à família.
A Constituição Federal protege o direito ao planejamento familiar e garante assistência científica para o exercício desse direito (art. 226, § 7º).
A finalidade social do FGTS é resguardar direitos sociais, inclusive para tratamentos de saúde que garantam vida digna.
As hipóteses de saque da Lei 8.036/90 não são exaustivas, cabendo interpretação extensiva conforme princípios constitucionais.
Como solicitar o saque do FGTS para FIV? Passo a passo

  1. Obtenha documentação médica detalhada:

Laudo médico confirmando infertilidade, com CID (Classificação Internacional de Doenças);
Relatórios detalhando tratamentos anteriores já realizados sem sucesso;
Exames que comprovem a condição clínica.

  1. Tenha comprovantes das despesas do tratamento:

Orçamentos de clínicas, comprovantes de reserva de procedimentos, notas fiscais de consultas/exames e eventuais custos com medicamentos.

  1. Reúna documentação pessoal:

Documentos de identificação do titular e cônjuge/companheira(o);
Certidão de casamento ou união estável, se o titular do FGTS for diferente da paciente;
Comprovante de titularidade e saldo do FGTS.

  1. Procure orientação jurídica especializada:

Em regra, a Caixa Econômica Federal exige decisão judicial para autorizar o saque do FGTS nesta hipótese. O advogado ingressará com ação judicial demonstrando a necessidade e fundamentando nos princípios constitucionais e na jurisprudência recente.

  1. Aguarde a decisão e saque:

Com a decisão favorável, leve a ordem judicial à agência da Caixa para realizar o levantamento.
Pontos de Atenção
Cada caso pode exigir uma documentação específica, por isso, a recomendação é sempre buscar orientação médica e jurídica.
Vale tanto para titulares do FGTS homens quanto mulheres, desde que haja vínculo familiar comprovado e a destinação do valor seja para o tratamento do núcleo familiar.
O valor a ser liberado pode não cobrir a totalidade dos custos, mas já é um auxílio importante para viabilizar o procedimento.
Resumo dos direitos reconhecidos
Infertilidade pode ser considerada doença grave, justificando o levantamento do FGTS.
A proteção à família e o direito ao planejamento familiar são fundamentos jurídicos reconhecidos nos tribunais.
A movimentação do FGTS não se limita às situações previstas na lei, podendo ser ampliada por interpretação judicial.
Conclusão
O sonho de formar uma família não precisa ser barrado pelas dificuldades impostas pelos altos custos da fertilização in vitro. A Justiça tem reconhecido o direito à utilização do FGTS para custear tratamentos de reprodução assistida, respeitando os valores constitucionais da dignidade da pessoa humana, saúde e planejamento familiar. Se você ou seu parceiro(a) enfrentam o desafio da infertilidade, procure orientação jurídica qualificada, reúna a documentação médica e não hesite em lutar pelo seu direito de buscar a parentalidade.

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